Moro no mesmo lugar há mais de
dez anos. Antes minha residência era no centro da cidade, na Generalíssimo
Deodoro, depois mudei ainda criança para um lugar completamente novo, e
considerado "distante". O bairro foi desmembrado do Bengui para
tornar-se Mangueirão (próximo ao principal estádio esportivo da cidade de
Belém). Meus pais compraram um apartamento em um conjunto chamado Xavante II, que
é localizado dentro de uma área chamada Catalina.
Por causa da mudança tive também
que trocar de colégio, de hábitos e de amigos. Mas a adaptação foi até rápida.
Eu gostava da minha escola, o Madre Celeste. No Catalina também construí
amizades, que tenho até hoje. Foi lá também que me transformei de uma garotinha
pateta, em uma adolescente roqueira e agora adentrando a fase adulta (ainda
pateta, infelizmente). Foi lá que eu descobri o quanto o transporte público da
cidade é asqueroso, e acho que adquiri uma falta e paciência nociva por causa
disso. Quer dizer, nenhum ônibus que passava próximo a minha casa prestava até
que, este ano, surgiu um tal "Icoaraci Centro" que atravessa a
Avenida Independência (Centenário), e tornou a minha vida um pouco melhor. Fico
me perguntando que mel é esse que tem Icoaraci? Parece que tem transporte todo
tempo para aquelas bandas. Só lá também.
A Avenida Independência
beneficiou várias pessoas que tem carro, porque é um trajeto que te leva ao
centro da cidade sem precisar passar pela monstruosa Almirante Barroso. Mas
para os pedestres e pobres que andam de ônibus é um perigo. Os carros passam em
altíssima velocidade, não respeitam o limite de 60 km de velocidade, e muito
menos a faixa "cidadã". Sendo que uma das faixas foi colocada em um
lugar completamente inóspito, que ninguém passa. E o lugar onde o fluxo de
pessoas que atravessam é grande, não tem nada, sinal de trânsito, passarela,
nada. Depois que ocorreu uma série de mortes, sendo a última, a de um jovem
trabalhador moto taxista, atingido por um carro, a CTBEL agora marca presença
por lá. Coisa de Brasil, que só funciona depois da tragédia.
Transformação
É engraçado como a cidade muda.
Não existia a Independência quando me mudei. Ela foi construída, duplicada e criaram túneis e viadutos. Ou seja, o lugar que eu morava antes
não existe mais, dando vida a outro lugar, completamente diferente. Agora está
sendo feita a construção de um Shopping Center na mesma Avenida, que se chamará
Bosque Shopping Belém. Dizem que será o mais chique da cidade.
Posso dizer também que o lugar
onde moro é sinônimo de um paradoxo. Quando cheguei aqui, ao lado do meu
conjunto tinha um campo enorme, como se fosse um "areal". Lá o meu irmão jogava
bola e eu atravessava para comprar pão, na padaria do outro lado. Depois esse
campo foi invadido, e virou uma realidade muito comum de Belém: uma invasão
conhecida como Pantanal (não me pergunte o porquê). Nunca foram lá tirar
ninguém, e agora o lugar tem casas de alvenaria, ruas, postes e tudo mais.
Depois disso, em frente ao meu conjunto, criaram um residencial, onde moram
pessoas bem diferentes dessas lá do Pantas. Da janela do meu apartamento avisto
as casas luxuosas, enormes e modernas do Água Cristal, um condomínio fechado,
que deve ter todo o lazer que alguém pediu a Deus.
Vivo em um lugar que tem vários
lugares dentro. Um lugar que anseia por esperança, que cresceu da forma que deu, que tem pessoas humildes, que tem violência, mas que também tem pessoas
honestas. Outro lugar de gente classuda, um lugar de gente que a gente nem vê,
de pessoas que se aprisionam em uma "cadeia de luxo" e pertencem a
elite torpe dessa cidade. Este é o lugar que eu moro, e que representa muito
bem as transformações desta Belém que muda, aos trancos e barrancos,
privilegiando sempre quem tem mais grana, e quem sabe, os que não têm.
Aí, lembro
aquela música do Engenheiro do Hawaii que diz assim "Nas grandes cidades
de um país tão violento. Os muros e as grades nos protegem de quase nada. Mas o
quase tudo, quase sempre é quase nada. E nada nos protegem de uma vida sem
sentido". (Muros e Grades). Acho que diz muito.