Raissa Lennon

Raissa Lennon
"siga seus próprios sonhos, porque ninguém pode viver o sonho do outro"

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Lugar(es)


Moro no mesmo lugar há mais de dez anos. Antes minha residência era no centro da cidade, na Generalíssimo Deodoro, depois mudei ainda criança para um lugar completamente novo, e considerado "distante". O bairro foi desmembrado do Bengui para tornar-se Mangueirão (próximo ao principal estádio esportivo da cidade de Belém). Meus pais compraram um apartamento em um conjunto chamado Xavante II, que é localizado dentro de uma área chamada Catalina.

Por causa da mudança tive também que trocar de colégio, de hábitos e de amigos. Mas a adaptação foi até rápida. Eu gostava da minha escola, o Madre Celeste. No Catalina também construí amizades, que tenho até hoje. Foi lá também que me transformei de uma garotinha pateta, em uma adolescente roqueira e agora adentrando a fase adulta (ainda pateta, infelizmente). Foi lá que eu descobri o quanto o transporte público da cidade é asqueroso, e acho que adquiri uma falta e paciência nociva por causa disso. Quer dizer, nenhum ônibus que passava próximo a minha casa prestava até que, este ano, surgiu um tal "Icoaraci Centro" que atravessa a Avenida Independência (Centenário), e tornou a minha vida um pouco melhor. Fico me perguntando que mel é esse que tem Icoaraci? Parece que tem transporte todo tempo para aquelas bandas. Só lá também.

A Avenida Independência beneficiou várias pessoas que tem carro, porque é um trajeto que te leva ao centro da cidade sem precisar passar pela monstruosa Almirante Barroso. Mas para os pedestres e pobres que andam de ônibus é um perigo. Os carros passam em altíssima velocidade, não respeitam o limite de 60 km de velocidade, e muito menos a faixa "cidadã". Sendo que uma das faixas foi colocada em um lugar completamente inóspito, que ninguém passa. E o lugar onde o fluxo de pessoas que atravessam é grande, não tem nada, sinal de trânsito, passarela, nada. Depois que ocorreu uma série de mortes, sendo a última, a de um jovem trabalhador moto taxista, atingido por um carro, a CTBEL agora marca presença por lá. Coisa de Brasil, que só funciona depois da tragédia.

Transformação


É engraçado como a cidade muda. Não existia a Independência quando me mudei. Ela foi construída,  duplicada e criaram túneis e viadutos. Ou seja, o lugar que eu morava antes não existe mais, dando vida a outro lugar, completamente diferente. Agora está sendo feita a construção de um Shopping Center na mesma Avenida, que se chamará Bosque Shopping Belém. Dizem que será o mais chique da cidade.

Posso dizer também que o lugar onde moro é sinônimo de um paradoxo. Quando cheguei aqui, ao lado do meu conjunto tinha um campo enorme, como se fosse um "areal". Lá o meu irmão jogava bola e eu atravessava para comprar pão, na padaria do outro lado. Depois esse campo foi invadido, e virou uma realidade muito comum de Belém: uma invasão conhecida como Pantanal (não me pergunte o porquê). Nunca foram lá tirar ninguém, e agora o lugar tem casas de alvenaria, ruas, postes e tudo mais. Depois disso, em frente ao meu conjunto, criaram um residencial, onde moram pessoas bem diferentes dessas lá do Pantas. Da janela do meu apartamento avisto as casas luxuosas, enormes e modernas do Água Cristal, um condomínio fechado, que deve ter todo o lazer que alguém pediu a Deus.

Vivo em um lugar que tem vários lugares dentro. Um lugar que anseia por esperança, que cresceu da forma que deu, que tem pessoas humildes, que tem violência, mas que também tem pessoas honestas. Outro lugar de gente classuda, um lugar de gente que a gente nem vê, de pessoas que se aprisionam em uma "cadeia de luxo" e pertencem a elite torpe dessa cidade. Este é o lugar que eu moro, e que representa muito bem as transformações desta Belém que muda, aos trancos e barrancos, privilegiando sempre quem tem mais grana, e quem sabe, os que não têm. 

Aí, lembro aquela música do Engenheiro do Hawaii que diz assim "Nas grandes cidades de um país tão violento. Os muros e as grades nos protegem de quase nada. Mas o quase tudo, quase sempre é quase nada. E nada nos protegem de uma vida sem sentido". (Muros e Grades). Acho que diz muito. 

Companheiros